Tremor, rachaduras e cavernas subterrâneas: os bairros afundados de Maceió pela mineração da Braskem


Mais de 14 mil imóveis foram condenados no Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Farol. Afundamento do solo provocado pela extração de sal-gema obrigou cerca de 55 mil pessoas a abandonarem seus imóveis. Fotos mostram antes e depois dos bairros de Maceió afetados pelo afundamento do solo
O acordo assinado pela Prefeitura de Maceió e a Braskem nessa sexta-feira (21) determina que a empresa indenize o Município em R$ 1,7 bilhão pelo afundamento do solo provocado por décadas de mineração na capital alagoana.
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A Prefeitura disse que vai usar o dinheiro da indenização para investir em obras na cidade, além de criar um “fundo de amparo” para auxiliar moradores dos bairros afundados.
Nesta reportagem, o g1 mostra quais são os bairros afundados de Maceió pela mineração da Braskem e os problemas decorrentes.
O que são bairros afundados ?
“Maceió afunda em lágrimas!” foi pintada em rua do bairro do Pinheiro, em Maceió
Mayra Costa
O lento processo de afundamento do solo abre rachaduras em ruas, prédios e casas, obrigando cerca de 55 mil pessoas a abandonarem suas residências e seus negócios. Mais de 14 mil imóveis foram condenados em cinco bairros de Maceió: Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Farol.
Quando o processo de afundamento começou?
Área de Maceió que compreende cinco bairros tem sofrido com tremores de terra e rachaduras desde 2018
Reprodução/TV Globo
As primeiras rachaduras surgiram no bairro do Pinheiro, após fortes chuvas em fevereiro de 2018. Ainda eram poucas, mas elas aumentaram quando um tremor de terra foi sentido em diversos bairros duas semanas depois, no dia 3 de março do mesmo ano. Era o início de um vasto trabalho de investigação e de um drama para milhares de famílias.
Em maio de 2019, a petroquímica multinacional interrompeu a mineração e paralisou a operação da fábrica de cloro-soda na cidade. Nessa época, as rachaduras já tinham atingido bairros vizinhos: Mutange, Bebedouro e Bom Parto. A fábrica voltou a operar em fevereiro de 2021, mas com sal importado do Chile.
Atualmente, mas em menor escala, a instabilidade também já afeta alguns imóveis no Farol, 5º bairro incluído oficialmente no monitoramento dos órgãos de segurança. A área atingida neste bairro é pequena, mas obrigou o único hospital psiquiátrico público de Alagoas a mudar de endereço.
O que causou o afundamento do solo?
Cena do documentário de cineasta sobre tragédia ambiental em bairros de Maceió afetados por rachaduras
Reprodução
Somente um ano depois das primeiras rachaduras foi confirmado pelas equipes do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), órgão ligado ao governo federal, que a extração de sal-gema feita pela Braskem na região onde existiam falhas geológicas provocaram a instabilidade no solo. As rachaduras vistas nas ruas e nos imóveis são reflexo dessa movimentação.
Rachaduras no solo afetam estrutura dos imóveis no bairro do Pinheiro, em Maceió
Waldson Costa/G1
O que é o sal-gema?
É um tipo de cloreto de sódio utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC. Segundo o relatório do CRPM, a exploração de sal-gema, feita de forma inadequada, desestabilizou as cavernas subterrâneas que já existiam nos bairros, causando o afundamento do solo e, consequentemente, as rachaduras.
Sal é importado pela Braskem para produção de PVC e soda cáustica em Maceió
Divulgação/Braskem
Quantas cavernas foram identificadas?
Atualmente, 35 cavernas estão identificadas e a mineradora informou que segue monitorando a região para acompanhar a evolução de sua estabilização.
A Braskem explica que elas estão sendo fechadas com a técnica mais apropriada para cada uma (com cimento, areia ou rochas) e que o plano de estabilização e monitoramento é aprovado junto à Agência Nacional de Mineração (ANM). É esse processo de preenchimento que deve fazer com que o solo pare de afundar.
Enormes crateras se abriram nas ruas e imóveis dos bairros afetados
Derek Gustavo/G1
Quais imóveis precisaram ser evacuados?
A Defesa Civil de Maceió elaborou o Mapa de Linhas de Ações Prioritárias, que está em sua quarta versão. O documento (imagem abaixo) recomenda a realocação dos imóveis e monitoramento constante das áreas com instabilidade (na cor verde). Ele mostra também a localização de cada mina explorada pela empresa (em círculos cinza).
Versão 4 do Mapa de Ações Prioritárias com a ampliação das áreas de monitoramento dos bairros de Maceió afetados por rachaduras provocadas pela exploração de sal-gema
Divulgação/Defesa Civil
Quantos imóveis foram identificados na área de desocupação?
Segundo a Braskem, 14,5 mil imóveis foram identificados na área de desocupação e monitoramento, o que totaliza mais de 55 mil pessoas.
Órgãos de resgate fizeram exercícios de simulação de evacuação de emergência juntos aos moradores
Mac Cavalcante/TV Gazeta
Quantos já foram desocupados?
A mineradora informou que 14,3 mil imóveis já foram desocupados.
Muros e portões carregaram le,branças de que famílias moravam nos bairros atingidos por rachaduras em Maceió
Reprodução/TV Gazeta
Quantas pessoas foram indenizadas?
Os dados mais atualizados do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), mostram que até junho de 2023, 19.033 propostas foram apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento. O número equivale a 99% de todas as propostas previstas.
Do total de propostas apresentadas, 18.256 já foram aceitas. A diferença entre o número de propostas apresentadas e aceitas se deve ao tempo que as famílias têm para avaliar ou pedir reanálise dos valores.
Também até junho, 17.330 indenizações foram pagas. Somadas aos auxílios financeiros, o valor passa de R$ 3,7 bilhões.
Para comerciantes e empresários, foram apresentadas 6.086 propostas, 5.715 foram aceitas e 5.327 já foram pagas.
Moradores protestaram por não concordar com os valores das indenizações e reclamaram da demora nos pagamentos
Gustavo Marinho
Como se deu o processo de indenização dos imóveis?
As negociações com quem já faz parte do programa começaram em 2020, após um termo firmado na Justiça entre a empresa, Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado de Alagoas (MP-AL), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE) para acelerar as indenizações, já que os processos individuais na Justiça poderiam ser muito mais demorados.
Com a desocupação de bairros de Maceió afetados pelo afundamento do solo e rachaduras, moradores levaram portas, janelas e até telhados de suas residências
Jonathan Lins/G1
Ainda existem pessoas morando nos bairros afetados?
Sim. Alguns moradores ainda resistem, à espera de indenizações que consideram justas.
Há também os moradores que permanecem nos bairros afetados pelo afundamento porque são de áreas sem indicação de realocação. Eles sofrem com o processo de ilhamento socioeconômico, que é o esvaziamento no entorno, perdendo comércio, equipamentos públicos e força econômica, mas não não têm direito à indenização.
O que vai acontecer agora?
A tragédia urbana em curso transforma áreas inteiras em bairros fantasmas, um problema que ainda está longe do fim, já que o solo continua afundando lentamente. “10 anos é o tempo médio necessário à estabilização. Poderá ser mais ou um pouco menos”, avalia o pesquisador e especialista em geotécnica e geologia, Abel Galindo Marques.
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